domingo, 17 de novembro de 2013

A polêmica vila das meninas, onde moram muitas meninas de Governador Nunes Freire, Maranhãzinho, Maracaçumé, Junco do Maranhão e demais cidades de nossa Região

Instituição onde moram 900 adolescentes de vários estados está na mira do Ministério Público do DF

Em Santa Maria, centenas de garotas brincam na hora do recreio entre as aulas ministradas de manhã e à tarde (Foto: Joédson Alves) Em Santa Maria, centenas de garotas brincam na hora do recreio entre as aulas ministradas de manhã e à tarde (Foto: Joédson Alves)
 
por Lilian Tahan
Noite de sábado. Garotas se ajeitam em cadeiras de plástico enquanto aguardam a projeção das imagens da novela em uma parede. Nenhuma delas, no entanto, sabe do barraco que Félix, de Amor à Vida, aprontou durante o jantar na segunda (4). Há dois motivos para isso. O primeiro é que o instituto Vila das Crianças, administrado por freiras em Santa Maria, proíbe televisão durante a semana. Quando o veto cai, aos sábados, entra a segunda explicação: as 900 adolescentes acompanham apenas os capítulos de Jumong, folhetim produzido e exibido na distante Coreia do Sul.
 
Essa é uma entre as muitas peculiaridades na incomum rotina das moradoras da Vila das Crianças. Fundada em 2001, a instituição mantida pela ordem das Irmãs de Maria de Banneux, da Igreja Católica, abriga e educa meninas pobres de vários estados brasileiros. Desde 2006, contudo, o lugar está na mira do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. No último dia 16, o MPDFT retomou uma investigação sobre os critérios legais de seu funcionamento.
 
Embora seja endereço de jovens, a vila das meninas, como ficou conhecida a escola, não autoriza o uso de celular, tem horário determinado para dormir (às 9 e meia, inclusive nos fins de semana) e só admite namoro por carta, meio de comunicação usual dentro da instituição. No complexo de 20 000 metros quadrados de área construída, com quatro prédios, ginásio e piscina coberta, a prioridade está voltada para os estudos e a disciplina é rigorosa. Qualquer mãe ficaria com inveja ao espiar o dormitório das garotas, onde os lençóis são esticados a ponto de fazer uma moeda atirada na cama pular. Cobertores e toalhas postos a secar viram laços ou cortininhas nos beliches. O chão por onde circulam centenas de jovens, 55 professoras e dezoito freiras tem a aparência mais limpa que a de piso de hospital. E são as próprias meninas que, aos sábados, faxinam o quarto.
 
De segunda a segunda, o tempo das  internas é dividido entre obrigações escolares, esportes, oficinas profissionalizantes, dança, coral, música e até cuidados com o jardim. Praticamente todas as atividades estão concentradas dentro de um terreno concedido pelo GDF em 2000 na região administrativa de Santa Maria. As meninas que moram no internato dificilmente saem da vila. “De vez em quando temos alguns passeios externos, mas imagine a logística para levar 900 garotas a qualquer lugar”, diz Maria do Rocio Fava de Sousa, diretora pedagógica do instituto
 
Curso de corte e costura: uma das opções de atividades profissionalizantes (Foto: Joédson Alves)
 
Recrutadas de famílias carentes e, não raro, com histórico de violência, as meninas chegam com 12 anos, quando ainda cursam o ensino fundamental, e saem depois da formatura do ensino médio — a idade-limite é de 18 anos. No tempo em que passam lá, elas podem escolher cursos profissionalizantes como secretariado, técnico de enfermagem, de saúde bucal, corte e costura. “Muitas de nossas alunas se destacam”, afirma a freira mexicana Margarita Campos Abeja, que dirige a Vila das Crianças. A religiosa conta que duas ex-alunas foram selecionadas para atuar na Austrália e na Coreia do Sul como bolsistas do Ciência sem Fronteiras. Ela explica que o objetivo central do projeto idealizado pelo americano Aloysius Schwartz é a educação curricular e não a formação de freiras. “O projeto existe no Brasil desde 2002 e até hoje apenas dez meninas decidiram fazer os votos”, relata a irmã.
 
A ordem da qual Margarita faz parte sustenta outros institutos sociais com regimes semelhantes ao de Santa Maria em países como México, Coreia do Sul, Filipinas, Guatemala e Honduras. No Brasil, a Vila das Crianças é a única instituição mantida pelas Irmãs de Maria de Banneux, que aplica 500 000 reais por mês para financiar o projeto.
 
Mas, no que depender de representantes ligados aos direitos da criança e do adolescente no DF, ela pode deixar de existir nos moldes atuais. Pela interpretação dessas autoridades, a escola tem as características dos antigos internatos, modelo de ensino que não é mais aceito no Brasil. Em outubro, por iniciativa da Promotoria da Infância e da Juventude do MPDFT, a Justiça reabriu um processo que investiga o enquadramento legal da Vila das Crianças. No último dia 16, agentes ligados à Vara da Infância, ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público fizeram uma inspeção no local. “A legislação estabelece que a privação de convívio de uma criança ou de um adolescente com sua família só é aceita quando autorizada judicialmente”, afirma a promotora de Justiça Luisa de Marillac.
 
As alunas são responsáveis por manter a limpeza e a organização dos quartos onde dormem (Foto: Joédson Alves)
 
Em 2006, a Vila foi alvo de uma denúncia feita por uma família que relatou dificuldade de ver a filha fora do período das férias. Na época, o juiz entendeu que o lugar seguia, sem prejuízo para as jovens, os princípios de uma escola. O caso acabou arquivado. Para o MP, no entanto, trata-se de uma entidade de acolhimento institucional com regras que não estariam sendo respeitadas. Segundo a lei, por exemplo, esse tipo de abrigo pode atender, no máximo, vinte jovens. E os alunos deveriam pertencer à comunidade local. Na vila de Santa Maria, mais de 700 meninas vêm de fora.
 
“Trata-se de um sistema que se aproxima da clausura, com o bônus de uma boa educação, mas o ônus da segregação social”, entende Francisco Corrêa, integrante do Conselho de Direito da Criança e do Adolescente, responsável por emitir o registro de funcionamento de lá. “A Vila das Crianças não é um abrigo ou um internato. Tem a documentação que a define como escola, e por isso não cabem esses questionamentos”, argumenta a advogada Fernanda Toscano, do escritório Caputo Bastos e Serra, que representa a instituição. Integrante da Arquidiocese de Brasília e desembargador do Tribunal de Justiça do DF, Roberval Belinati faz um alerta: “Espero que as autoridades tenham muita cautela com esse grandioso trabalho feito em favor da juventude brasileira”.
  
Por dentro da rotina delas
 
6Hora de acordar. As meninas têm trinta minutos para se aprontar e arrumar o quarto.
 
630 Elas revisam as tarefas cobradas em sala de aula.
 
7Café da manhã. O instituto montou sua própria panificadora, que produz 1 000 pães por dia.
 
8Início das aulas. A escola segue o currículo do Ministério da Educação. As professoras são leigas.
 
12Almoço. As refeições são elaboradas em uma cozinha industrial, ondeas funcionárias preparam 145 quilos de arroz, 65 quilos de feijão e55 quilos de carne.
 
13Retomada das aulas. As garotas praticam esportes, dançam, estudam música e frequentam cursos profissionalizantes.
 
16h45 Tempo livre. Elas se reúnem no campo de futebolpara brincar de amarelinha,corda, bola, pique-pega.
 
17h30 Momento em que tomambanho e lavam suasroupas íntimas.
 
18Jantar.
 
19h30 Elas fazem as tarefas para as aulas do dia seguinte.
 
21h30 Todas as luzes são apagadas.Hora de dormir.

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